Para ti, Paula
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Não descanso neste domingo. Eu e muitas pessoas, certamente. Mas o sol brilha, as pessoas sorriem, a luz encanta e o descanso não chega.O computador acompanha a solidão imposta com uma melodia única que as teclas conhecem tão bem. O que éramos nós sem esta melodia de partilha?
Acasos e imprevistos chegam no monitor a uma velocidade insuspeita não fora o pouco caso contrariar o óbvio: deixámos de estar sós quando o monitor e as teclas deram o nó.
COISAS DE PARTIR
Tento empurrar-te de cima do poema
para não o estragar na emoção de ti:
olhos semi-cerrados, em precauções de tempo,
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.
Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir...
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio de chão sem texto que é ausente de ti?
E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?
Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.
de Coisas de Partir, Fora do Texto, 1990
Quinta ouvi, na Flad, Ana Luísa Amaral. O pretexto era falar de Emily Dickinson. Cedo esta ficou para trás visto que ALA rapidamente cativou bem mais... Fiquei curiosa, por isso li, hoje, alguns poemas. Vou deixar algures por aqui, poemas dela, na esperança de os tornar meus ...
Estar em filas significa penar. Tudo se complica a partir de Junho...aparentemente... pessoas em férias, poucas pessoas para atender. Os ansiosos impam nas filas, os conversadores aproveitam para meter conversa com qualquer um, os mirones sentam-se nas cadeiras e procuram um alvo. Depois há aqueles que pensam que estando colados a nós e respirando para o nosso pescoço os aproxima do balcão, uma verdadeira estratégia para encurtar distâncias...
O atendimento prioritário causa verdadeiras discussões. Pais e mães que tentem fazer valer os seus direitos levam com comentários mistos, uns a favor, outros manifestam-se contra os abusadores. "Se eu soubesse também trazia a minha neta", "coitada da criança, podia ter ficado a dormir", etc., etc.. Depois ainda temos os acessos para deficientes...tendem a ser verdadeiras ratoeiras e promovem o suicídio de quem está na cadeira e daqueles que a empurram. Ou são verdadeiras ladeiras onde se podem atingir velocidades alucinantes ou subidas vertiginosas, provas de verdadeiro esforço para os bem intencionados.
Enfim, alguém gostará de filas?
A Bela Acordada
Era uma vez uma mulher que tão depressa era feia era bonita, as pessoas diziam-lhe:
- Eu amo-te.
E iam com ela para a cama e para a mesa.
Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
- Não gosto de ti.
E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça.
A mulher pediu a Deus:
- Faz-me bonita ou feia de uma vez por todas e para
sempre.
Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar
com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais
gostavam sempre dela, tanto quando era bonita como quando
era feia como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais
não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço,
estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a
mastigar.
Logo a seguir, passou pelo poço o criado do rei, que
pescou o peixe.
Na cozinha do palácio, as criadas, a arranjarem o peixe,
descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a
mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o
peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe
foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe
morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era
tão feia que não era feia. Por isso, quando as criadas foram
chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei
apaixonou-se pela mulher.
- Será uma sereia ? – perguntaram em coro as criadas ao
rei.
- Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito
tortas, uma mais curta do que a outra – respondeu o rei às
criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar.
Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à
mulher quando as criadas se foram embora:
- Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com
uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e
comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei:
- Eu amo-te.
Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no
tapete de Arraiolos da casa de jantar.
In Adília Lopes – OBRA – A Bela Acordada, pag 300, Ed. Mariposa Azul, Lisboa 2001
Valerá certamente a pena ir até ao Palácio Galveias e ao Museu da Cidade, a partir de amanhã, e ver
Já são 35 anos de existência...