"Tanta gente com problemas sérios e tu, assim, sem acção, com pena de ti própria...francamente, Ana!"
E pronto, era desta forma que Ana via os SEUS problemas reduzidos a nada pelo seu companheiro. Eram pequenos para os outros, mas enormes para si, pensava. De tal forma que, por vezes, sentia uma vertigem, um apelo para se deixar ir, cair na rua, em casa, no sofá, na cadeira ou no vazio. Ora este último apelo era o mais convincente. Como se uma bolha a protegesse de si e, ao mesmo tempo, a afastasse das vozes dos outros, mesmo dos seus filhos. Quando este vazio se dissipava levemente, ainda tentava olhar em volta, numa procura de um olhar amigo. Mas não. Os seus pais, já idosos, choravam sempre que a viam com o rosto fechado, lívido, de quem não descansava, O irmão tinha uma vida ocupada e raramente olhava para os outros. Amigos eram poucos e todos tinham a sua família e os seus pequenos dramas. Ana sentia-se só.
Ana gostava da terra, gostava de observar os pássaros, de tratar de animais. Detestava o buliço da cidade, o anonimato egoísta em que vivia. Mas era a única. Aparentemente todos os outros estavam confortáveis nos seus T1s IKEA, nos seus carros citadinos, na sua correria quotidiana.
Ultimamente chorava em todo o lado e a bolha que a protegia já apresentava fracturas evidentes. Perguntava-se se era tempo de decidir.