Sorrir com Ally McBeal ao som de Barry White
Sorriu ao dizer adeus ao filho, naquela manhã. Pouco faltava para se agarrar ao volante e enfrentar um dia de trabalho, sempre desconsolador. Vestira a blusa do dia anterior, distraída, e ponderou se devia telefonar para o Lar para saber notícias do Luís. Deixou para depois. Há dois dias que ele não falava para ninguém e mal abria os olhos. Pouco já esperava daqueles momentos de plena tortura e contínua agonia.
Tomara um duche rápido e mal se olhara ao espelho. Os cabelos castanhos arruivados, outrora cuidados, estavam baços. Abriu a porta de casa, olhou a claridade lá fora e sorriu com desdém para a correria dos carros.
Deslizou pela rua, contornando os pombos e as pessoas que povoavam aquela manhã cinzenta de inverno. Parou no sinal vermelho, baixou a cabeça à procura dos botões do rádio e logo ouviu uma estridente buzina a quebrar o momento de calma ensaiada dos últimos minutos. Controlou-se e pediu desculpas pelo espelho retrovisor. Encontrou um sorriso largo na jovem que conduzia aquele carro. Arrancou suavemente, ao som da antena 2, estação proibida sempre que estava com o filho no carro. Baixou novamente a cabeça para procurar o cigarro caído na mala e logo ouviu o ruído metálico da chapa e o som incontido da dor.