Lá no bairro

 

Puxou o fecho do casaco, endireitou as costas e levantou-se.  Piscou os olhos e pensou se estaria a acontecer com ela o que já tinha acontecido com a K no bairro. Na, não senhor, não seria bufa, não seria fraca, não sabia de nada.

Eles olharam-na com condescendência, viram-na a suspirar e apurar o tom de voz que, diga-se de passagem, tinha tremido quando pela primeira vez falou, dizendo o seu nome. Mãos na cintura, voltou a dizer que não os conhecia, não queria problemas, e até tinha vontade de ajudar mas não sabia quem eram, porque roubavam e porque faziam tanto mal. Ela não era assim.

Eles pareceram desistir e recomendaram-lhe juízo. Alguém já os chamava numa outra ocorrência. Dissimulou um sorriso e, com uma ensaiada autenticidade que sempre funcionara em casa, lamentou não poder ser útil. Eles responderam que tinham percebido que ela não conhecia aqueles sujeitos e, por isso, olhando-a nos olhos, apertaram-lhe a mão.

Ao sair não conseguiu disfarçar um sorriso de antecipação: chegaria ao bairro e iria ter com eles, contaria como tinha sido valente, como mentira tão bem. Talvez assim acreditassem que ela merecia uma oportunidade.

publicado por imprevistoseacasos às 21:06 | comentar | ver comentários (2) | favorito