Madalena
Sonhava em ser um lápis. Não daqueles que delineavam letras, com formas sempre iguais. Queria antes desenhar, isso sim. Passava horas a pensar no que faria se uma mão criativa lhe pegasse. Pensando bem, o ideal seria ela própria, enquanto lápis, escolher os dedos mais adequados a esta tarefa. Obrigatoriamente ágeis, de unhas aparadas e tratadas, já que esta era uma tarefa de superior importância. Se pensarmos bem, as formas que surgissem no papel viveriam o tempo suficiente para mostrar a possibilidade de uma realidade, com um novo imaginário. Quando lhe perguntavam o que desenharia, este lápis hesitava sempre. Nova realidade significava omitir cenas de guerra, com tanques e pessoas aos gritos, ou gente a falar da crise com olhos de sofrimento e temor. Não. Teria de mostrar que o verde ainda importava, que o azul do seu lápis se podia misturar com o azul do céu, do mar ou do sonho. Pensamentos infantis, pensou. Ainda não estava preparada para mostrar que este lápis desenhava a realidade possível.