Excertos V

"Voltei à porta da cozinha. Este acesso ao jardim continuava emperrado e sem aparente solução. Virei-me de frente para a porta. Peguei num pano da cozinha e empurrei o postigo, também empenado. Estava tudo velho e ligeiramente inchado por causa da chuva da última semana. Tinha sido um Setembro para esquecer. Consegui fechar o pequeno ferrolho do postigo, tapando assim o vidro da porta. Esta teimava em embater em qualquer coisa no chão. Estava já escuro, lá fora. O final de tarde tinha sido mais sombrio do que o habitual. Ou seriam os meus olhos a dar as últimas. Enfim, apenas importava, agora, que eu não conseguia fechar a porta e muito menos descobrir porquê. Baixei-me um pouco e nada. Lembrei-me de ir à despensa buscar a lanterna azul. Era grande e podia ligá-la à electricidade. Tacteei à procura da terceira prateleira. Lá  estava ela à ponta, como sempre.Trouxe-a para o pé da porta. Impei quando percebi que o fio, ligado à tomada eléctrica mais próxima, não permitia que a lanterna chegasse perto da porta. Tudo conspirava contra mim. Sentei-me de joelhos, arriscando não me levantar já dali. Encostei o nariz à porta e procurei, com as mãos, possíveis entraves. Senti o velho tapete preto disfarçado de obstáculo. Tinha-me feito cair, de joelhos, perante uma mera porta de jardim. Uma porta. Uma simples porta e lá estava eu, aflito, sem certeza de ser capaz, sozinho, de me deitar, em segurança, neste banal dia de Setembro. Jamais contaria a alguém este episódio. Ficaria o nosso segredo: meu e da porta. Apenas tinha a lanterna como testemunha."

 

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publicado por imprevistoseacasos às 20:20 | favorito
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